Com um telescópio de 30cm no quintal de sua casa, um astrônomo fez uma importante descoberta sobre pulsares

O campo magnético de uma estrela pode estar ligando e desligando uma pulsar do tipo “viúva negra”.
Imagem de raios gama da pulsar PSR J1723-2837 e sua estrela companheira J17232318-2837571 do tipo espectral G5 tirada pelo telescópio espacial GLAST (Gamma-ray Large Area Space Telescope), lançado no espaço em 11 de Junho de 2008 e renomeado para FGST (Fermi Gamma-Ray Space Telescope) em homenagem ao físico Enrico Fermi.


Quando uma estrela super massiva morre, muito de sua massa explode em direção ao espaço, deixando o seu núcleo para colapsar sobre ele mesmo. O resultado é um pequeno e incrivelmente denso objeto chamado estrela de nêutrons, com gravidade suficiente para sugar a massa de qualquer estrela nas proximidades e prendê-la em orbita, e assim formando um sistema binário. Conforme ela se alimenta de sua companheira, a estrela de nêutrons gira mais rápido em torno de seu próprio eixo; eventualmente, girando cem vezes por segundo, ela ganha “vida”, atirando para o espaço dois feixes de intensa radiação em direções opostas e alinhadas às linhas de seu campo magnético. O tempo regular dos feixes desse tipo de estrela detectada a partir de radio telescópios deu origem ao termo “pulsar”. Algumas vezes esses feixes são visíveis para telescópios ópticos também.

Neste momento, a pulsar para de se alimentar de sua companheira, mas o relacionamento delas não se torna menos destrutivo. A pulsar está agora atirando radiação e vento solar suficiente para o espaço para interromper o fluxo de gás que vem de sua estrela companheira, mas isso também está atirando material de sua companheira para longe, e isso eventualmente vai corroer a estrela completamente.

Mas às vezes uma pulsar retrocede ao seu antigo costume; os feixes de radiação parecem desligar de alguma maneira, o vento solar cessa e a pulsar volta a se alimentar de sua estrela companheira. Muitas pulsares repetem este ciclo várias vezes, e ninguém sabia o motivo até então. Porém, astrônomos agora têm algumas ideias sobre este processo graças ao telescópio refletor de 30cm do astrônomo André Van Staden.


Uma colaboração transatlântica.

Com o seu telescópio refletor de 30cm, Van Staden quis olhar para as estrelas companheiras visíveis dessas pulsares “viúva negra”, e em 2014 ele achou uma lista dessas pulsares no website do astrônomo John Antoniadis da Universidade de Toronto. A pulsar J1723-2837 do tipo MSP (MilliSecond Pulsar) estava à direita do quintal de sua casa na África do sul, e ninguém tinha gravado uma curvatura de brilho – o aumento e diminuição periódica no brilho da estrela enquanto orbita a pulsar – daquela estrela. Van Staden viu uma oportunidade para fazer algo original.

Nos próximos 15 meses, que ele fez aproximadamente três mil observações, com o seu telescópio e câmera CCD mapeando a mudança de brilho (ou curvatura de brilho), da estrela companheira da pulsar MSP J1723-2837, ele notou alguma coisa incomum em seus dados.

Normalmente, a curvatura de brilho de uma estrela companheira de uma pulsar, aumenta e diminui em harmonia com o período orbital do sistema binário. Isso é porque a gravidade da pulsar normalmente exerce uma força de maré tão forte sobre a sua companheira que distorce o formato da estrela, fazendo-a ficar em forma de uma gota. Quando a estrela companheira fica a 90° graus entre os seus dois extremos equatoriais alongados em relação a Terra, a estrela fica mais brilhante porque estamos vendo mais de sua superfície. Quando a estrela está apontando uma de suas extremidades equatoriais alongadas para a Terra, ela fica mais escura porque estamos vendo menos de sua superfície.

A pulsar MSP J1723–2837 é diferente. O que Van Staden notou foi que as mudanças no brilho da estrela não se alinharam com as 14.8 horas de período orbital do sistema binário; em vez disso, a curvatura do brilho sofreu um pequeno atraso.

“Depois de consultar vários papers científicos sobre os dados de curvatura de brilho da estrela companheira, eu percebi que o comportamento de MSP J1723–2837 de acordo com os meus dados era inesperado. Eu comecei a fazer inquéritos para alguns dos autores dos papers e foi  direto para o astrônomo John Antoniadis,” disse Van Staden.

Van Staden enviou os seus dados para John Antoniadis, mas não esperou muita coisa. “Eu não esperava que houvesse muito interesse em meus dados, pois o telescópio usado era de 30cm,” ele disse. “Também muito desse trabalho é feito com rádio ou altas frequências de energia.” 

Mas John Antoniadis também viu um mistério interessante nos dados de Van Staden, e uma colaboração nasceu.

“Nós trocamos centenas de e-mails desde 2015 e eventualmente, quando colocamos todos os dados de 2014-2015 juntos, o enigma começou a se desdobrar,” disse Van Staden. “John Antoniadis me apoiou bastante para descartar qualquer possibilidade de erros sistemáticos, e eu revisei os mesmos dados muitas vezes. Os dados de curvatura de brilho a princípio pareciam caóticos, mas eu continuei a fazer observações e a compartilhar meus dados com John.”


Avistando a resposta.

Conforme ambos revisavam os dados coletados por Van Staden, eles perceberam que a estrela companheira realmente gira em torno de seu eixo mais rápido do que translada em torno da pulsar. Isso ajudou a explicar um pouco do atraso na periódica curvatura de brilho, mas o quebra-cabeça ainda não estava inteiramente resolvido. A resposta veio a ser grandes manchas solares na estrela companheira da pulsar MSP J1723-2837. Elas são maiores, relativo ao diâmetro da estrela, do que os pontos que escurecem regiões da superfície de nossa própria estrela, e diminuem o brilho aparente da estrela conforme ela gira em torno do próprio eixo e suas manchas ficam em direção à Terra.
Isso é um achado significante, porque a formação de manchas solares é causada pela atividade de um forte campo magnético. Se a estrela companheira da MSP J1723-2837 tem um forte campo magnético, isso poderia estar conduzindo o relacionamento complicado, de periódicas mudanças de brilho, entre a pulsar e sua estrela companheira. 

Normalmente, há um forte ponto de radiação no lado da estrela próxima à pulsar, onde a pulsar fica lentamente corroendo a sua companheira através de seus jatos de raios gama e vento solar. Mas não há pontos de radiação na estrela companheira da MSP J1723-2837 e isso significa que, ou não há vento solar, ou o vento solar está sendo atirado para uma direção que não atinge a estrela. O campo magnético da estrela poderia ajudar a explicar isso, porque ele poderia estar interagindo com o vento solar da MSP J1723-2837 de uma forma muito semelhante com que o campo magnético da Terra interage com o vento solar de nossa própria estrela. E isso sugere que o campo magnético da estrela companheira pode ser o mecanismo responsável por causar periódicos “blackouts” na pulsar.

John Antoniadis e Van Staden publicaram o trabalho deles no The Astrophysical Journal.


Novas perguntas.

“As observações de Van Staden nos ajudaram a entender o papel dos campos magnéticos em sistemas como MSP J1723-2837,” disse John Antoniadis. O trabalho de ambos sobre a MSP J1723-2837 joga alguma luz sobre as pulsares “viúva negra”, mas isso também deixa algumas perguntas não respondidas. Por exemplo, ainda não está claro se essas características são realmente típicas de todas as pulsares “viúva negra”, ou se a MSP J1723-2837 é de alguma forma especial. John Antoniadis também quer entender melhor como o campo magnético da estrela companheira interage com a pulsar para moldar a evolução de longo prazo do sistema binário.

“Nós estamos agora tentando coordenar observações em múltiplos comprimentos de onda com várias instalações para tentar responder a estas perguntas,” disse John Antoniadis.

Enquanto isso, a equipe ainda não terminou o trabalho com a própria pulsar MSP J1723-2837, e as observações de quintal feitas por Van Staden ainda têm muito com o que contribuir. “nós ainda estamos trabalhando em novos dados sobre a MSP J1723-2837. Dependendo dos resultados eu vou achar novas respostas,” disse Van Staden.


Não precisa de tecnologia de ponta.

Os resultados das observações de Van Staden provam que mesmo astrônomos com equipamentos relativamente “modestos” podem fazer descobertas científicas, principalmente porque eles têm algo que é geralmente difícil para grandes observatórios: tempo livre.

André Van Staden com o seu telescópio e câmera CCD que ele usou para observar o brilho da pulsar MSP J1723-2837 durante 15 meses.


Raramente astrônomos fazem observações de longo prazo de um único objeto com grandes observatórios. Mas Van Staden registrou cerca de 400 horas de observações da MSP J1723-2837. Seu telescópio de 30cm pode não ser de ultima geração, mas isso foi o suficiente para a tarefa de mensurar o brilho de uma estrela companheira de um sistema binário distante, e isso foi tudo o que precisou para preencher uma lacuna nos dados da comunidade astronômica sobre uma pulsar “viúva negra” e levantar novas perguntas.


[Traduzido e adaptado por @jonathantorres19]



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